Eu não sei porque apesar de lembrar muitas coisas em 2016 eu sofri um apagão. Eu não lembro o que aconteceu antes de março. Sei que voltei do Chile dia 01/01 tenho um branco e vem o dia do atentado.
É meio complicado explicar eu não fiz esforço para esquecer antes daquele dia nem sei o que lembrar. Talvez nada. Não achei fotos. Se aconteceu algo aparecerá de novo num evento qualquer desses dias nostalgicos onde eu revejo várias fotos.
Aquela terça foi um stress. Era meu dia de brilhar. O meu dia de mostrar que eu não estava naquele posto naquele local só por ser mulher e fisicamente interessante. Era minha apresentação, dias de preparação revisão para consolidar tudo que eu podia contribuir e finalmente calar bocas. Assim eu saí de casa naquele dia e a pessoa que voltou já não era mais a mesma.
É muito díficil para qualquer pessoa fora desses eventos entender o que significa estar numa cidade no dia e hora de algo fatídico. Foi muito difícil para mim aceitar que me causou um processo irreverssível.
Eu cheguei em casa eu fiz meu post falando que estava bem. Bebi as cervejas que comprei no caminho de casa. Eu estava bem, só que não.
Eu sofro de retardo para entender algumas coisas que eu vivo. Meu instinto de sobrevivência me leva ao lugar seguro e ao longo das horas ou dias eu vou entendendo o que aconteceu. O atentado foi péssimo mas tudo que veio depois foi tão pior quanto. Cada vez que uma cidade explode depois daquilo as mortes daquele dia perdem ainda mais a razão de ser porque nada foi aprendido. O mundo não está mudando porque aquelas pessoas morreram.
Naqueles dias de março eu tive o acordar. Eu estava mecanicamente voltando ao meu maior erro; aceitar qualquer merda para sobreviver em um trabalho. Local repleto de gente preconceituosa, sexista e misógena e eu ía todos os dias agredindo a ninguém mais que a mim. Acordei pro bem e pro mal, eu acordei.
[enquanto eu digito eu acabei de lembrar, em fevereiro eu mudei de casa e foi o máximo]
O ser humano é estranho e eu tive que entender isso sozinha. A grande maioria das pessoas quis saber se eu estava viva (e algumas até me lembraram que eu tinha que agradecer muito por estar viva), mas muitas vezes, como diz a música, 'e viver assim é quase morrer'. O meu caos privado eu vivi no meu silêncio usual. Há sempre o percentual de mim que está na zona segura restrita privada onde eu construo e desconstruo a Paula do mundo.
Todo mundo está ocupado no seu mundo com suas prioridades vivendo as suas vidas e esperando que quem importa esteja vivo ou tanto faz. Eu também. A diferença é que eu entendi que tem uma grande diferença em estar VIVO e estar sobrevivendo. Eu escolhi viver.
Foram zil licenças médicas, foram duas zil mudanças de tudo trabalho, corte, cabelo, bebida, foi um cavucar de alma para buscar um recomeço. Ninguém tem obrigação de me entender, nem me seguir, nem aceitar mas tampouco eu permitirei expor a coisa mais importante do meu mundo, ou seja, a minha vida, a o que quer que seja que me faça mal. Não mais. Me isolei do mundo, fiquei comigo, e recomecei a fazer o que deve ser prioritario: construir o amar a ti mesmo para que possa amar aos outros. Encher-se para poder ajudar com o que de ti transborda assim disse meu terapeuta. É uma viagem solitária por muitas vezes mas ela me dá muito mais do que a perversidade humana me tira.
Voltei a degustar a vida como ela deve ser feita. A cada dia vou atrás de mais um pedaço do que eu nasci para ser e grudo em mim para que mesmo que me pareça estranho hoje amanhã virará um habito e eu estarei inteira.
Se servir de conselho, pegue a explosão da sua vida, mergulhe no seu luto e renasça porque a adversidade inesperada é muito mais impulsionadora da sua vida que muita gente que te diz querer bem.
Não é o morrer hoje ou em 100 anos que muda tudo, é o que você fará daqui até o fim é o que conta.
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